Opinião

Paulo Afonso - Bahia - 12/05/2025

Crônica: Os Grilhões Não Foram Quebrados

Por: Itaíbes Paiva
Divulgação

O Brasil adora dizer que a escravidão acabou. Gosta de repetir, feito ladainha mal aprendida, que em 13 de maio de 1888 fomos todos libertos. Mas quem caminha pelas calçadas quebradas do centro das grandes cidades, quem cruza as pedras do Sal, os degraus do Valongo, ou sente a história abafada nos becos dos Pelourinhos, sabe: os grilhões não foram quebrados, apenas remodelados.

Por mais de 300 anos, o Brasil foi um dos maiores engenhos de moer gente negra. Cinco milhões de corpos sequestrados, açoitados, vendidos, explorados. Um número que pesa nos ombros do presente, porque o passado não se reciclou. Trocou o tronco pela ausência de políticas públicas, trocou a chibata pelo descaso do Estado, trocou as senzalas pelas calçadas frias.

Hoje, em 2025, 137 anos depois da “libertação”, cerca de 70% das pessoas em situação de rua são negras. Isso não é coincidência é consequência. É a continuidade do projeto de exclusão, sustentado por um racismo que não dorme. Racismo que se camufla nos gabinetes, que se institucionaliza nas leis, que se espalha no ar poluído das favelas e comunidades onde o básico é luxo.

As pedras do passado ainda gritam. No Cais do Valongo, onde os navios negreiros atracavam, agora ecoam os passos de quem não tem mais onde morar. Nas esquinas do Brasil profundo, o povo preto continua pedindo licença para existir, sendo abatido pela violência, pela fome, pela invisibilidade.

E as gestões, os governantes? Seguem omissos. Falam em progresso, mas pavimentam a exclusão. Fazem festa para si, mas enterram nossas dores em silêncio. O Brasil da classe dominante é um país que ainda se acha dono de corpos que tentam empurrar para a margem como se houvesse margem onde não há centro para todos.

Mas a luta segue. Porque nossa memória é resistência. Porque quem sobreviveu a navios negreiros sabe remar contra as correntes da história. Não esqueceremos. Não aceitaremos. O futuro da população em situação de rua e da população negra será construído com dignidade ou não será.

Os grilhões do passado ainda apertam. Mas há mãos negras erguendo ferramentas para quebrá-los de vez. Porque viver é resistir. E resistir é também sonhar mesmo quando a noite é longa demais.

 


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